Parnaso em Fúria 01

A lírica de Felipe D´Castro...

Apenas até o pôr-do-sol

Sugestão de música para acompanhamento:








Eu só quero que me ame até o pôr-do-sol
- Banda Rosa de Saron -



Naquele dia o sol fecharia o ciclo de alguém.
A tarde estava tênue como a primavera esparramada no rosto da Terra. A praia sangrava um cheiro de azul anil e ele caminhava à beira-mar, deixando as ondas molharem seus pés, persuadindo o vento com seus cabelos lisos e seu andar receoso. No entanto, muito embora seu corpo desenhasse formas várias, seus pensamentos eram tecidos da forma mais rézia possível.
Andava com um olhar preso, insensível à beleza adjacente que lhe engolia. O mundo era pensamentos e lembranças. E cada vez mais, seu olhar rijo ia mitigando-se, abrandando a si. Era cedo da tarde, o sol parecia sóis. E naquela atenuação de olhar, uma lágrima pequena cai do olho verde - verde hipócrita – do rapaz, misturando-se a outras milhares e milhares de lágrimas que formam o mar, este recolhedor de tristezas humanas.
O rapaz andou pela beira-mar por cerca de uma hora, sempre olhando ao horizonte, aquela parte em que o céu abraça a Terra, e para o chão, aquela parte em que a Terra nos abraça.
Ao longe se via a figura de uma mulher, sentada, atirando pedrinhas ao mar. Seus olhos pareciam decaídos, enfraquecidos. Foram percebidos pelo rapaz que chegava cada vez mais próximo.
Olharam-se.
Ele, em pé, abotoou seus olhos no olhar penoso da jovem. Ela tinha uns cabelos negros como a morte. Dentes brancos, corpo magro e branco. Usava um vestido finíssimo na ambigüidade do termo.
Mesmo com a consciência inextricável, o rapaz compadeceu-se da moça, abaixou-se e com um olhar afável a perguntou o que fazia ali, sozinha.

- Nada, de fato. Me surpreende você... caminhando sozinho pela praia, com essas roupas, a essa hora.
- Aproveitando a vida, só isso.
- Não tem medo de mim?
- Por que teria?
- Não sei, só curiosidade.

Um silêncio estranho empedrou a cena. Ao mesmo tempo... :

- Qual o seu nome? – riram
- Eu prefiro não dizer meu nome.
- Por quê?
- Dizem que os segredos atraem as mulheres, e essa tarde queria te deixar esse segredo!
- Quer dizer que quer me atrair?
- Não, não. Não quero que se apaixone por mim. – sorriu com o canto da boca jogando uma pedra ao mar também.
- Você é muito folgado, cuidado, desse jeito você me anima.
- Mas é sério, não se apaixone. – parou com as pedras e arremessou um olhar de pedra sobre o olhar de águas da moça.
- Cara, você é estranho! Qual o teu nome? Gostei de você.
- Acho que já vou...
- Agora não vai não! Espera um pouco, por favor. – pegou firme no braço do rapaz.
- Tá certo, mas vou ficar pouco tempo!

Ficaram por ali umas duas horas. A menina já lhe confessara toda sua vida e ele apenas a escutara, como um aprendiz dedicado. Quando o azul do céu começava a anteceder o arrebol o rapaz insistiu em ir embora, mas ao que parecia era tarde demais.

- Por favor, você, hoje, foi o que de melhor me aconteceu, fica, vamos ver o pôr do sol, vai ser lindo...
- Não posso, eu... eu... eu realmente preciso ir.

Talvez o ocaso fosse o término do acaso que fora sua vida.

- E se eu disser que te amo?
- Ai rirei de você. Jamais fui amado tão rápido!
- Tem razão... mas gostei de você. Por que você precisa ir agora?
- Não se importe comigo, por favor...
- Fica, por favor, deixa a gente ser feliz! Temos os dois corações dilacerados, bem o sabes... por favor – uma lágrima caiu, logo uma onda veio buscá-la mas não teve força o suficiente.

Vendo aquela garota chorar, o remorso do rapaz foi qual uma traição forçada.

- Eu fico, mas por favor, seja o que quiseres sentir por mim, que seja apenas até o pôr-do-sol, não mais que isso. – sentou-se sério ao lado da menina.
- Olha pra mim, diz que não me quer!
- Eu não posso te querer. Eu simplesmente não posso.
- Mas nada te impede, você já me falou da sua vida e... sei lá, nos encontrarmos assim, aqui, nessa praia, os dois com chorando amores que se foram como as folhas de outono.

Eles olharam-se. Ela chorava, sua voz embargada implorava um segundo de compreensão. O amor é uma coisa estranha, sem razão de ser. Frente a frente dois corações sedentos por amor, dois corações que, naquele momento, pareciam mesmo baterem um para o outro, um em função do outro. O crepúsculo ao fundo presenciou um beijo demorado. O rapaz enroscou sua mão dentre os cabelos da garota, ela o segurou na altura do peito, seus lábios escorregavam através do outro e lágrimas regavam o embaraço das línguas. O rapaz beijava de uma forma tão voraz que dir-se-ia ser seu último beijo. Pararam por um segundo e foi o tempo necessário para a menina dizer que já o amava. Ele, chorando, lacrimejando correntezas, tomou de novo sua boca para si. E quando a parte mais alta do sol beijou o mar o beijo tornou-se frio, a mão do rapaz caiu dos cabelos da moça e seu corpo pesou para a frente. A garota, assustada com aquela ausência de vida, levantou, pôs as mãos sobre a boca e amaldiçoou-se em pensamentos. O rapaz morrera em sua boca, ao pôr-do-sol... e tanto que ele pedira para não amá-lo!
O que houve depois não importa, mas o que aconteceu antes cabe a cada um de nós imaginar. 

2 comentários:

Você escreve bem, já pensou em escrever um livro!!!?

 

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