Parnaso em Fúria 01

A lírica de Felipe D´Castro...

O poeta à margem da vida


Já descia o crepúsculo para beijar o asfalto quando um trio de jovens estudantes, em frente a sua universidade, fora abordado por um velho de barbas mal feitas, exalando ares de embriaguez. O senhor, sem perder tempo, pediu para que os três parassem.

- Posso falar um minuto, jovens? – perguntou ao mais próximo de si, um rapaz alto de boa aparência.
- Estamos apressados, senhor, nos desculpe!
- Puta que pariu! – gritou o velho, encarando exaltadamente o rapaz. Continuou – É sempre assim, essas merda de estudante não quer mais ler! Passo todo o dia vendendo estas bosta aqui – mostrou de dentro da bolsa surrada um montante de papéis brancos - e sempre que quero mostrar a alguém é assim! “tô atrasado”, “me desculpe”, “amanhã...” Que vá todos pra puta que pariu! Todos vocês!

A princípio, leitor, não há nada que te forces a continuar a leitura, de fato, reconheço. Mas, se até aqui chegastes e queres continuar, assuma sozinho os riscos de minha leitura.
Uma chuva chata chiava baixinho nos ouvidos dos quatro. O velho não parara. Os adolescentes estavam estagnados observando o grande monólogo do senhor. Era poeta. Era velho. Era feio, era magro e era barbudo. Cansado de todo o discurso, o outro rapaz, mais baixo que o primeiro, mas mantedor de mesmo charme, põe-se na conversa.

- Mas o que quer o senhor, hein? Dinheiro?
- Não, meu filho, quero dinheiro não, se quisesse dinheiro roubaria, quero fazer vocês ler! – falou urrando.
- Mas a gente já leu suas poesias... – tentou argumentar a garota que acabava de entrar no enredo.

Antes que a moça terminasse de enunciar, o velho jogou seu óculos no chão. Gritou enfurecido que ninguém lhe entendia, que não queria ele ser invisível, alguém o teria de notar, impossível... a chuva chovia como chumbo, o trio tentou esquivar-se do velho louco, mas a garota, sempre solidária com a humanidade, decidiu plantar-se e estudar mais um pouco daquela triste figura. O homem já chamava a atenção de todos.
Um óculos no chão. Um trio de jovens estudantes. Um velho louco. Uma chuva chorando.
- Eu sou gente também! – gritou de repente o velho, estancando os corações de todos que o olhavam.

A loucura é a falta do privilégio alheio, o poeta é privilégio da loucura. Mesmo sem saberem o porquê, os jovens continuavam a olhar pro velho, agora mais lúcido, com olhos avermelhados. A camisa branca, rasgada, e a bermuda azulada, de estampa, conferiam-lhe ainda mais o aspecto de louco. E os jovens continuavam a contemplar aquela degradação humana ali, bem à frente, tão próximo de si.

- Mas, calma, amigo... os grandes poetas são grandes apenas depois de mortos. – falou aquele primeiro, o mais alto e magro de todos.
- Mas não quero sucesso, seu merda, quero que você me leia! “As sombras do amor, meu amor/ são tuas costas nuas/ dentro das ruas cruas/ do meu calor” Aqui há mais poesia do que na tua vida toda, ô, moleque de merda!

Após dizer isso ele se jogou no chão. Queria dormir sob a chuva, ser consumido pela terra, mastigado pelo asfalto, engolido pelos vermes... tudo o que fosse alegoria do fim. Esperneou, deu socos em si, estava louco, bêbado e louco. Os três jovens, ainda embaixo de chuva, observavam a degradação. A aglomeração que os acompanhavam na platéia já havia sido trocada, havia cada vez mais pessoas observando o espetáculo do velho poeta.
Leitor, as cenas que se seguem são vermelhas, são cenas de palavras obscuras. Mas se ainda quiseres continuar, desconsidera já esta afirmação anterior de um simples narrador de terceira pessoa. O velho ainda se debatia no chão.
Por um instante o velho deixou-se ficar sentado. Parecia mais lúcido, apoiou os braços esticados sobre os joelhos dobrados, de modo que parecia ainda mais uma criança cansada de brincar, uma criança birrenta. De súbito falou:

- Eu sou o mundo!

Terminada a frase jogou-se de costas com uma força que lhe parecia impossível possuir. O crânio cravou-se no chão, onde chovia, e o sangue saiu sereno de dentro do corpo, misturando-se com a água, escorrendo até o fim da calçada. Os olhos já estavam fechados. O velho havia parado de espernear. Os três jovens viraram as costas e foram buscar seus ônibus. O velho passou três dias por ali, em cima da calçada, sem que ninguém mexesse em seu corpo, sem que ninguém o comprasse um poema, até que no terceiro dia o odor de álcool foi substituído por um outro odor qualquer e causou incômodo.

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