Parnaso em Fúria 01

A lírica de Felipe D´Castro...

Assalto


Hoje fui assaltado. Foi a terceira vez. Levaram-me pouco: dez reais. Mas podiam ser os dez reais do leite do meu filho, doutor. Chegam os dois, ambos maltrapilhos... “Senhor, dois reais pro almoço...”; Não me enganam, meto a mão no bolso por medo. São dois pivetes sim, pequenos, mas com uma fome alucinógena. Eu estou só, sozinho, naquele momento, parece que estou eu apenas acordado, enquanto todos dormem com seus sonhos miseráveis e egoístas. Dou cinco reais primeiro, “vão, vão embora”, penso; olham-me como a um barril de pó. “Passa tudo aê!”, fala o de trás... e o mundo mudo, e o mundo lesma, lento, perceptivelmente fazendo deles dois imperceptíveis. Fugidios ao poder da percepção, como é a fome, a violência e a tristeza de quem não tem dinheiro sequer para derramar as lágrimas – que logo dará origem a um imposto. Puxo do bolso meus últimos cinco reais, vai-se embora também a coragem, o respeito, a esperança... tudo escorre-me pelos dedos a uns outros dedos nervosos. Minha ira concentra-se um pouco abaixo dos pés. Os quatro olhos vermelhos como o anoitecer do inferno pedem-me mais, sempre mais: “Passa tudo aê, já falei!”, “Mas já passei tudo”, digo, “É tudo, maluco, celular carteira...” Sinto um olhar tirânico a nos perceber, é Deus, disse; mas era um velho, um velho de barriga longa e barbas grandes – talvez Deus seja também um velho. “Já te passei o dinheiro, por favor...” e o velho olha pra um, esse um olha pro outro, o outro olha pra mim... nesse momento pré-mortal outro decide ir, um concorda, e levam de mim dez reais. Roubaram-me de mim dinheiro, eu, roubei-lhes um pedaço da vida. A tarde anuncia a vida esparramada ainda nas minhas córneas. Pelas costas dos dois, que saíram rápido, balançando os braços, vi os aços brilharem sob a luminescência do sol que se poria. E lá se vai a juventude brasileira.

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