Parnaso em Fúria 01

A lírica de Felipe D´Castro...

Via Crúcis - Capítulo I

Capítulo I

      Ele era um rapaz comum. Sua cabeça era um pouco corpulenta, parecia desproporcional. Era magro, alvo como a cal nas paredes pobres da pobre e abandonada cidade de Bayeux. O ano é o de dois mil e dez, estamos ao mês de agosto, a Espanha acaba de ser campeã mundial de futebol, após investimentos extraordinários em infra-estruturas e rede de hotéis no continente mais pobre do mundo. Aqui nesta cidade as baratas estão de malas prontas, não por motivo de expulsão, mas é que não há mais o que fazerem por aqui, puro tédio, de tudo já fizeram, a cidade fora entregue a elas já há alguns anos. A aqueles que não a conhecem basta imaginar uma cidade feia, mal desenhada, sem nenhum ponto turístico, sem alguém que a conduza, sem tantas e tantas coisas que existem na mais pacata sociedade indígena. Mas ele era magro, o nosso garoto. Tão ossudo que sua bacia dava-lhe um aspecto de andar armado a todo tempo. Ele era muito magro. Tinha os cabelos amarelados, sem vida. Olhos marrons como mel, e mais bonitos ficavam ao receber a visita da luz solar.
     Naquele dia entrou em casa absorto, cabeça baixa, pensativo mesmo. Abriu a porta devagar, caminhou um pouco pela sala, olhou as paredes como se esperando delas as respostas que tanto queria. Rapidamente, começou a caminhar dentro da minúscula sala, inúmeras imagens fervilhavam-lhe a cabeça, seus pensamentos estavam todos na noite passada, já não podia mais suportar tudo aquilo. Caminhava cada vez mais rápido e era óbvio, precisava tomar uma decisão precisa, rápida e rápido. Como aquilo pôde ter acontecido com ele? Justo ele? E se todos soubessem? E se ela soubesse? Afinal... Ficou assim por uns dez minutos, andando de um lado para outro da sala - me desculpe, crítico leitor, se pretendes que eu te diga o que tanto pensava nosso menino, não o direi pelo simples fato de ser um narrador de terceira pessoa e não pretender adentrar os pensamentos do meu protagonista neste momento, no mais, não te devo explicações, apenas lês e não me interrompas mais. O garoto esguio decidiu-se.
     Caminhou para a cozinha a passos largos, apressados. Pensava consigo coisas de perdão. Procurou por toda a parte a corda que havia guardado para os seus casos de emergência. Ele tinha dezoito anos, e como era magro! Abaixo da pia de lavar pratos achou, firme, a corda que tanto procurara. Era uma corda forte, resistente, de uns três metros no máximo. Pegou-a e sem demora, respirando em soluços, fantasiou em si a redenção, e caminhou para seu quarto – antes que algum leitorzinho desses mais chatos me pergunte: não, não havia ninguém em casa; já pedi para não me interromper!.
      As memórias ainda fervilhavam-lhe. Suas teorias estavam erradas e tais erros culminaram em seu próprio castigo, seu auto-castigo. Subiu na cama. Deitou-se e assim ficou por uns três minutos, olhando o telhado, parecia mais calmo. Em seus olhos a figura de um adolescente abatido e fraco. O espelho de sua cama era divido em barras, barras fortes de ferro. Levantou-se, passou a corda em volta de uma dessas barras, pegou uma ponta da corda e enlaçou em seu pescoço, a outra ponta segurou muito forte. De frente para o espelho da cama, se jogou para trás, puxando também a outra ponta, com os pés, empurrava as barras para aumentar a força, seu pescoço comprimia-se dentro da corda, os fios de sua vida estavam se emaranhando na foice da morte. Segundos depois a porta iria abrir, mas isto não é assunto para agora, curioso leitor. Quem abrira a porta somente saberás ao fim deste romance, o que acontecera a nosso protagonista, também. Mas, para que possamos entender a natureza de tal ato, precisamos mergulhar na história do magérrimo bayeuxense (leia-se baieensse). Histórias para os próximos capítulos.

4 comentários:

O que mais gosto são esses diálogos com o leitor, fora a questão da narrativa ser apresentada de forma coerente e precisa... (tô doida pra lê o próximo capítulo morew) =)

 

A literatura a meu ver tem duas formas principais de nos prender: primeiramente pela simplicidade, que aqui não é sinônimo de facilidade, visto que não é nada fácil dizer com palavras o que um texto literário se propõe; segundo, a clareza de idéias conduzindo a intensidade da tessitura verbal e estabelecendo a tenção necessária para nós "leitores" continuarmos a ler a narrativa. Meu velho, o sentimento que tive ao engatinhar tua prosa foi essa. Essa é a idéia, "escrever é preciso, viver não é preciso", você tá no Tao certo. Luciano Machado.

 

Que narrador chato, hein? hehehe. Menino, você é fantástico!Lembrou-me um pouco Machado de Assis.

 

Super ansiosa pra ler o próximo capítulo.
E você, mais uma vez, envolvendo os leitores, hein, Felipe? Parabéns...manda logo o segundo capítulo aê! ;D

 

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